terça-feira, 14 de maio de 2013


De rima em rima feita
pinta-se torto um quadro.
Lá corre tinta vermeita.

quarta-feira, 20 de junho de 2012


Há dias venho sonhando
com um encontro cósmico
entre mim e a pedra.

Talhada por deus e abandonada à beira da estrada da criação,
testemunha dos homens e das vidas que levam,
testemunha ela mesma de sua própria vida,
a pedra nada é mais que a pedra.
Já isto tudo,
estes versos mal domados e pior escritos,
são abstrações de alguém que não cala bem.

Mas é importante que voltemos ao sonho.
É importante –
Acendo os olhos,
Ergo os ouvidos,
Abro as mãos e estico
os sentidos.
O silêncio é imperceptível
e parece que ecoa.
Ah!, como nosso colóquio é sublime.

E no entanto ele nunca se deu,
nem nunca se dará fora destas linhas –
que não são mais do que um mau cárcere
para uma pedra livre.
É minha justiça que deve ser feita.

quinta-feira, 19 de abril de 2012

É tão fácil se acostumar, eis o perigo em fumar.
Acostumado à fumaça, esqueço o fogo,
Apago em mim o que era todo queimar.

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Sonhei não-sei-com-quê, nem sequer sei como,
Mas aprendi a jardinar - logo fui capaz
De fazer raiz onde só há palavra, e nem isso mais.

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Duas mãos sem sentimento: verso que não escreveram.
Pois não escrevam, caiam mortas.
Façam crescer hortas.

Falo palavras que não conheço. Faço poesia com língua estrangeira.
Abro a porta pra ninguém entrar. Se fecho, derrubam, atrás de mim que estou lá.

quarta-feira, 27 de julho de 2011

No quarto anônimo de hotel,
A sul de onde nunca estive,
Encontro-me comigo mesmo, e deixo as pantufas dentro da mala.

O ruído rouco do aparelho de ar,
O cheiro limpo dos lençóis,
As gavetas vazias do criado mudo – meu e de todos,
A pose cúmplice das paredes nuas,
A textura branca,
Tudo isso pinta na minha mente um quadro que conheço,
Mas não decifro.

E enquanto o mundo aqui dentro implode,
O quarto não me pergunta nada.

Aqui,
Sob os lençóis com quem aqui já tremeu
(de solidão ou de prazer)
Frente ao espelho com quem tentou contato consigo –
E quem sabe se ouviu resposta?
Só sei que não ouço, e grito.
Faço-o na cama, pra não espantar a esfinge.

(Na escuridão da noite anônima me perco, escondo o que posso,
Mas a mala fechada ainda tem trinco,
E trinco ainda está bem fechado.
Lá dentro as cuecas, tão minhas.

No silêncio escuto a voz dos que calam,
E faço do nada um poema sobre mim¹.)

Esta noite as perguntas são ânsias.
Obter respostas não requer paciência,
E sim um mantra que espante a morte.

Sim! Sim! Sim! Sim!

Na toada o oco do quarto me inunda o peito,
E eu enfim puxo a descarga.

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¹ sobreposto a "sobre mim": ruim

segunda-feira, 13 de junho de 2011

"Mario, acho que estou virando o Fernando Pessoa."
"E hoje em dia quem não está?"

quarta-feira, 18 de maio de 2011

Duplo carpado ao fundo das histórias

Desde pequeno tenho tentado compreender, quem sabe se com sucesso, o funcionamento das coisas. O modus operandi das explosões solares, da infinita órbita dos astros, das massas de ar que descem do céu e levantam saias, enchendo de calor a cidade no verão. Da crença que alguns têm em gnomos e graças.

Tenho tentado e falhado, alternada e simultaneamente. Minha compreensão do mundo se baseia na fé que cabe a meus sonhos, na devoção desconfiada com que o cientista se curva sobre a bancada, à espera de um Eureka. Alguns dizem que é impossível pensar na vida e vivê-la ao mesmo tempo. Mas e as histórias? Não são feitas da própria vida, projetando nela sua sombra imaginária?

A resposta, eu mesmo concluo, é sim. Com um livro de Joseph Campbell na mão, busco por um mito que ilustre meu argumento...

É um belo sábado de manhã. Os passos de Cupido no chão folhoso do bosque reverberam muito acima das árvores, para além da áurea verde e fresca do parque. Ele está fugindo; pretende enganar sua amiga, tornar a brincadeira de esconde-esconde um pouco mais divertida. Quer deixá-la perdidinha. Parada em outro ponto da mata, a cara enfiada em um tronco, Psiquê conta cinquenta mississipis e sai em busca do amante.

Enquanto isso, no lago a vinte metros dali, Narciso fita concentrado a superfície negra da água. Ao som da corneta ele salta, executa um parafuso duplo carpado e mergulha no lençol profundo sem voltar à tona, pontuando baixo com os juízes. 5.4, 5.2 e... espere aí, meu deus! – antes de erguer a placa o terceiro juiz salta da cadeira e agora está correndo pela mata no encalço de Psiquê, levando consigo um volume incomum nas calças. Eu diria que é um mau dia pra bancar o amante ausente, Harry! He, he, he...

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Neste ponto, a transmissão televisiva que eu tentava construir – uma apropriação de mitos - se transforma em uma história caótica, com elementos auto-imunes que desmancham o texto aos poucos... potencial despejado nos ralos largos da inépcia...

domingo, 27 de março de 2011

Nos meios midiáticos e expressivos de grupo, Cajendra Tapa Magar é melhor conhecido como O Menor Homem do Mundo; ele tem apenas 67cm de altura e pesa 5kg, e no momento busca o melhor modo de preencher o quadro da foto que Roger Texico está prestes a tirar. Enquanto, confuso, o norte-americano lança a mira da imprensa sobre o anão, procurando uma brecha angular miraculosa que favoreça sua arte, Cajendra acena com os dois braços como um pavão depenado.

“Eu posso pegar um banquinho”, arrisca o pequeno tentando corajosamente enfrentar o fracasso de sua manobra; e embora o sorriso embaraçado de Roger seja agora evidente, ele está sem graça demais para permitir que o anão resolva seu problema. Que é mais piada do que qualquer outra coisa. Faz que não com a cabeça e sente vontade de abraçar Cajendra, tão pequenino bebê desde que nasceu, em 1991. Se apenas tivesse ele freqüentado as aulas de fotografia infantil...

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Este garoto, minha gente, tem 19 anos. Vocês tão vendo o tamanho dele? Dá um close, Beto. Vem. Gente, ele tem o tamanho de um bebê do quê, três anos? Eu to impressionada! A gente tem que dar os parabéns e ficar mesmo admirada por uma espécie de vida assim... tão rara, seguir com esse sorrisão no rosto. Cajenda, você é conhecido lá no Nepal? - traduz aí pra ele. Ai que bom! Você vê que o pessoal reconhece boa gente em toda parte do mundo.

Agora, Cajenda, diz uma coisa pra mim. Só pra mim. Você é virgem?

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quinta-feira, 3 de março de 2011

Ergui a cabeça e vi pixado na parede:

"To escreveno purque agora sei que você tá leno"

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Quando o melhor livro de todos os tempos for publicado, a Terra finalmente verá seus trapos de frente. Sem espelhos, metáforas, álibis: de frente. O escritor boêmio abandonará o ofício sem mágoa nos olhos, com o orgulho intacto. Seus olhos para sempre deitados murchos nas órbitas, como se realizados. O poeta morrerá de amor e não escreverá uma palavra a respeito, talvez para compensar todos os versos afetados de todos os poetas de todos os tempos. O diretor sombrio de cinema-arte fará filmes com dez, doze, dezoito horas de duração, e cada um deles será um ritual íntimo, um assédio contínuo, uma celebração. Milhões de gênios dos quatro cantos do mundo despertarão, e o resultado será insignificante.

Quando o melhor livro de todos os tempos for publicado, o alto executivo vai ajustar a gravata irreversivelmente, e será um a menos entre nós. O vendedor ambulante vai ser inédito, seu olhar honesto e reto. Depois de vomitar e expelir sorrisos débeis, o viciado de Nova York vai morrer, e eu sinto muito. A modelo gaúcha vai desejar outra pele, outra cor, qualquer coisa que esconda melhor seus órgãos. Os fãs de Beatles vão esquecer Yesterday para sempre. Os de Quixote não terão mais dúvidas, não haverá hesitação - tampouco êxito, pois nem o livro vai remover de suas vidas a morte lúcida a que estão condenados.

Quando o melhor livro de todos os tempos for publicado, o juiz da alta corte perderá o emprego e, com ele, a influência. Vai jogar fora a dentadura. O paciente esquizofrênico poderá saltitar como Tigrão, esticar os braços como Jesus Cristo, abrir seu coração sem medo do que ali poderá encontrar. E ele vai conversar e conversar e conversar. Sim, vai

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6/3/2010

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Antes de sair, Rubem Jamin apara os pêlos sobressalentes das cavidades nasais que limpa manualmente toda noite às sete, afivela o cinto um buraco à frente do habitual, estufa o peito à circunferência de general aposentado, alisa a camisa demorada e inutilmente – não que esteja realmente amassada, e ele de pronto percebe como o gesto seria inócuo mesmo se estivesse. Mas quem pode com os caprichos?

Antes de sair, R. Jamin observa ansioso a lua através da janela no céu negro, moeda metálica cujo valor ele tentou estimar 14 vezes, sem sucesso, impermeável à escuridão que toda noite dá à luz e não sofre, prata celeste como a que ele vislumbra no brilho dos brincos e anéis de Julia Bardou Fez quando observa suas fotos com moldura Polaroid no site de relacionamentos Guess Who?. A moldura das imagens é inserida em fase de pós-produção - quanto a isso não há engano. Mas e o brilho das joias? Ou as curvas acidentais do seu nariz e as linhas das mãos - lidas semana passada, pela tela do computador, por uma velha negra cartomante que exalava perfumes de naftalina e éter, cujo serviço ele pagou em porções de arroz e cachaça? Jamin se preocupa, mas no fundo sabe que uma santa cinta-liga e uma mordaça de ébano bem apertadinha, bem quentinha, amarrada à sua boca, mais tarde esta noite, o fariam perdoar eventuais mentiras de Julia. O que deveria ele fazer para que também as suas fossem perdoadas?

domingo, 30 de janeiro de 2011

Glossolalia

Hey hobo
You hop on your hip stand
Your drinks come in two
Hand by hand

Hey bobo
You smile under the dancefloor strobe
As your heart goes by
round the globe

terça-feira, 18 de janeiro de 2011

en curso

um dia, porque assim o quis,
num ano que ainda não se imaginou
deus fritou os computadores¹.
todos, não deixou nenhum.
apagou, ao simples clique
do mouse divino
incontáveis gigabytes
de terabytes
de bytes, bytes
de informação.
e era toda a informação.

assim pôs em estado de choque, não de graça,
toda a humanidade.

a humanidade.

reduzida a nada,
testada na maior provação
que os mitos jamais conheceram²,
de norte a sul, leste a oeste,
cima a baixo,
nada.

quem mais sentiu foram os piratas
que mantinham no ar sua barca imensa
de bens que'aviam saqueado³,
deixada à mercê do sopro forte ^4
das interpéries da vontade divina

também o sentiram os poetas
não publicados - e nem por isso menores
cujas almas acabaram
perdidas pra sempre em blogs
nos anais extintos da informação -
ontem eternos
aos pobres corações inflados
deles todos, nós.

deram-se bem os marginais,
os postos-à-parte-de-tudo
os cabeça-oca, cabeça-feita,
care-free, mind-blowned
angel-headed once
mysteries flying
high above
the trouble cloud
at last vanished by ^5

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¹ fonte duvidosa.

² nem sequer sonharam.

³ em ataques invisíveis.

^4 ventania.

^5 verso incompleto.

sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

Último (excerto) do ano

Aquela era a primeira vez que Renaldo passava a virada do ano vendo os discursos na televisão. Apesar da decadência insultante que na ocasião pairava sobre sua cabeça oca (resultado de duas garrafas de champagne abertas antes da meia-noite, nenhuma companhia e muito mais), se lembrava sem saudade dos anos em que passara a data com maior euforia. Sem êxito cronológico, recordou da noite no Mojave com os bons pacientes da clínica High & Dry, outrora hippies de Frisco - fogos estourando acima e abaixo de suas velhas toucas feitas à mão; da enorme aventura moral e intelectual que fora traduzir trechos de Petrônio enquanto seus poucos parentes tentavam contato pelo telefone, só para desejar tudo de bom, meu querido; da vez em que, movido apenas por curiosidade, investigou os cabelos presos no ralo do banheiro, marcando em uma página perdida quantos eram morenos, loiros, ruivos e grisalhos, enquanto o planeta, em sua mais perfeita órbita, completava a última rotação do ano.

domingo, 12 de setembro de 2010

Ficção número um

Hoje vi um filme na TV. Era sobre um escritor louco que tinha uma namorada que só ele via. Sabe, imaginária. Escritores têm uma imaginação hiperativa, nada de errado com o roteiro. Era o tipo de filme que te mantém entretido quando você não quer pensar em mais nada. O protagonista fazia o tipo complicado, intenso. Pensamentos indecifráveis. Um charme. A mulher o havia largado, e a solidão pesava sobre sua cabeça como sete palmos de terra. Você já deve ter ouvido essa história. O que me obrigou a ficar no sofá, olhando as bem-humoradas cenas, foi o calor da tarde. Eu havia abusado de Clonazepam na noite anterior, e ainda sentia seus efeitos. “Veja o sujeito falando sozinho. Ficando louco de amor. Fiel a ninguém mais. Batendo de frente com seus melhores amigos em defesa da mulher que julgava verdadeira”. A risada é garantida. Um estouro! Sabe que palavra consigo formar com “estouro”? Tesouro. O que isso significa?

O filme se desenrola no ritmo do domingo, e a certa altura o escritor descobre que sua paixão inventada não passa de amor próprio. Foi quando fiquei irado. Já pedi desculpas pela porcelana que destruí, tudo bem. Que tipo fajuto de escritor era aquele? Não se pode cobrar muito, é claro, já que, num total de 1 hora e meia de filme, ele passa um ou dois minutos escrevendo. Será que é preciso tanto tempo assim para descobrir seu polegar opositor? O maldito mata-piolhos? Vá à merda. A mulher some, depois aparece, depois some. Ele descobre uma de carne e osso. Ele se apaixona. Ela também, qual a dúvida? Adeus loucura. Nunca mais.

Só espero que ele passe o resto da vida sem escrever uma única linha. Santo & Johnny estão agitando as caixas de som agora. O calor está ferrado. Preciso beber mais água para eliminar o Clonazepam do meu sistema. A mulher ideal. Qual a novidade? Ou, nas palavras de Salomão, a "novelty"?

Talvez seja Francis Bacon (...)

segunda-feira, 26 de julho de 2010

Quando o amor de vocês voltar, irá embora o medo de jurar que é “para sempre” o “te amo”; não por haver alguma certeza na afirmação, mas por haver esperança. A dor de desperdiçar mais tempo seria insuportável ao coração que envelhece tão rápido, que mesmo com batidas contadas rufa tão depressa. As fantasias românticas acerca do que “é pra ser” serão. Haverá a cumplicidade de um crime cometido por duas vítimas, e a sincronia parecerá divina.

Mas e enquanto o amor não volta? Toda a sabedoria será vã. E quando voltar? Será pouca. E se não voltar?

sexta-feira, 2 de julho de 2010

Olhe o tamanho da cabeça

Encontraram o bilhete junto ao corpo inerte de Barnabé, nu e ensanguentado. Estou com pressa. O que dizia era o seguinte:

Acho que na verdade o medo que tenho de enlouquecer é o desejo de que minha vida não corra tão comum, de que minha cabeça ultrapasse suas barreiras de osso, de que eu me torne louco como um mongol. Medo constante, tão forte e constante que só pode ser um oculto artifício da mente, um desejo quieto se masturbando no canto da sala de jantar.

Se eu tiver filhos, o que farei dos meus cachos enrolados; se tiver mulher, o que farei?

Quero ter um futuro que não é certo, cujas probabilidades de sucesso são mínimas mas eu me arrisco a acertar e abraço a causa mesmo. Coração pesado. Sem freios numa pista de gelo. Sobretudo bêbado.

Pobre cão asmático. Eu te saúdo.

quarta-feira, 9 de junho de 2010

O Cavaleiro da Triste Figura

A triste figura de Dom Quixote
pintada no espelho me assusta tanto
pois vejo-me presa de forte quebranto
(a não ter vivido prefiro a morte)
sorrio demente, esguio, de canto
e não perco a rima apesar do espanto
porque a loucura é um dourado lingote
que eu raspo até fazer brilhar o pranto
que afundará as naves de Lepanto,
pra que Cervantes morra sobre o bote
em que traçou, e qual tétrico encanto,
o nosso rumo, condição e sorte.

sábado, 5 de junho de 2010

O cone de tempo

Tantas horas passam;
Há minutos que medi
Com mil pensamentos.

terça-feira, 25 de maio de 2010

O gelo

Mister Fantástico era o mais espetacular mágico do mundo. Ele tirava coelhos da cartola, fazia sumir objetos, transformava bolinhas de pingue-pongue em pombas brancas, dava o maior show. Até que um dia ele fez a maior mágica jamais vista: chupou uma pedra de gelo do tamanho de um morango por nove dias inteiros consecutivos, sem deixar com que virasse água. Assim que pôs o gelo na boca, numa terça-feira quente de férias, fechou os lábios grossos e suas sobrancelhas caíram numa expressão séria que o deixou parecido com algum velho latino, que em tardes de domingo abre uma cadeira na calçada da garagem e fica só olhando - e a partir de então viveu sob uma espécie de voto de silêncio, de modo que o único som que se ouvia quando ele estava por perto era o chuque chuque do gelo chupado.

Nos nove dias de truque, Mister Fantástico entrou e saiu de oito pequenas cidades da região para chupar seu gelo; semeou sua mensagem às mulheres e crianças que sorriam na rua ao ver o curioso mágico, olhando sério e não mastigando, não engolindo, mas chupando, chuchuchupando uma pedra de gelo do tamanho de um morango que não sumia nunca! Era o maior mágico do mundo deste Gaston Vellares, não havia a menor dúvida. As pessoas se impressionavam, formulavam teorias: “Mister Fantástico vendeu a alma para o diabo quando tinha seis anos”; “Mister Fantástico tinha duas gotas de saliva na boca, mas as engoliu e desde então não tem mais nada”; “Mister Fantástico tem a língua feita de pudim de pão”; “Mister Fantástico vai chupar o gelo até perder os sentidos”; “Mister Fantástico já caminhou sobre as águas e agora vai salvar os homens na terra”; “Mister Fantástico é genro do presidente”.

Então uma intensa comoção dominou aos poucos as oito cidadezinhas. Muitos seguiam o mágico em sua peregrinação para tentar descobrir qualquer coisa ou apenas ouvir o misterioso chuque chuque que nunca cessava de insinuar sua muda sabedoria. Tendo se tornado tamanho ícone, Mister Fantástico agora vivia 100% do tempo em uma apresentação de mágica: todos os bancos eram palcos, todas as luzes eram refletores, todo o mundo era platéia, todos os olhos eram seus. Ainda hoje há quem diga que este foi o verdadeiro truque de Mister Fantástico, embora a teoria encontre forte rejeição entre os que defendem sua memória.

Quando todo o barulho estava no auge, nove dias depois, na praça central da cidadezinha onde tudo começou, Mister Fantástico suspirou três vezes, olhou para o céu e depois para as pessoas, que gritavam à sua volta com olhos arregalados e sorrisos deformados por palavras de curiosidade e regozijo. Esticou os joelhos, lançando-se para cima, e ergueu o braço direito pedindo silêncio e atenção. A gritaria cessou rapidamente e todos encararam ansiosos o pequeno sujeito. Nos olhos da imensa platéia brilhava algo de raivoso que dizia que aquele mágico era o maior dos cornos, e dos picaretas também, se pensava que podia fazer com que calassem e ouvissem. Mas foi o que aconteceu. Tudo pairou no ar por um instante, Mister Fantástico piscou duas vezes e disse, de uma só vez e com a voz estranha por causa do gelo:

- Traz açúcar, limão e pinga.