terça-feira, 25 de maio de 2010

O gelo

Mister Fantástico era o mais espetacular mágico do mundo. Ele tirava coelhos da cartola, fazia sumir objetos, transformava bolinhas de pingue-pongue em pombas brancas, dava o maior show. Até que um dia ele fez a maior mágica jamais vista: chupou uma pedra de gelo do tamanho de um morango por nove dias inteiros consecutivos, sem deixar com que virasse água. Assim que pôs o gelo na boca, numa terça-feira quente de férias, fechou os lábios grossos e suas sobrancelhas caíram numa expressão séria que o deixou parecido com algum velho latino, que em tardes de domingo abre uma cadeira na calçada da garagem e fica só olhando - e a partir de então viveu sob uma espécie de voto de silêncio, de modo que o único som que se ouvia quando ele estava por perto era o chuque chuque do gelo chupado.

Nos nove dias de truque, Mister Fantástico entrou e saiu de oito pequenas cidades da região para chupar seu gelo; semeou sua mensagem às mulheres e crianças que sorriam na rua ao ver o curioso mágico, olhando sério e não mastigando, não engolindo, mas chupando, chuchuchupando uma pedra de gelo do tamanho de um morango que não sumia nunca! Era o maior mágico do mundo deste Gaston Vellares, não havia a menor dúvida. As pessoas se impressionavam, formulavam teorias: “Mister Fantástico vendeu a alma para o diabo quando tinha seis anos”; “Mister Fantástico tinha duas gotas de saliva na boca, mas as engoliu e desde então não tem mais nada”; “Mister Fantástico tem a língua feita de pudim de pão”; “Mister Fantástico vai chupar o gelo até perder os sentidos”; “Mister Fantástico já caminhou sobre as águas e agora vai salvar os homens na terra”; “Mister Fantástico é genro do presidente”.

Então uma intensa comoção dominou aos poucos as oito cidadezinhas. Muitos seguiam o mágico em sua peregrinação para tentar descobrir qualquer coisa ou apenas ouvir o misterioso chuque chuque que nunca cessava de insinuar sua muda sabedoria. Tendo se tornado tamanho ícone, Mister Fantástico agora vivia 100% do tempo em uma apresentação de mágica: todos os bancos eram palcos, todas as luzes eram refletores, todo o mundo era platéia, todos os olhos eram seus. Ainda hoje há quem diga que este foi o verdadeiro truque de Mister Fantástico, embora a teoria encontre forte rejeição entre os que defendem sua memória.

Quando todo o barulho estava no auge, nove dias depois, na praça central da cidadezinha onde tudo começou, Mister Fantástico suspirou três vezes, olhou para o céu e depois para as pessoas, que gritavam à sua volta com olhos arregalados e sorrisos deformados por palavras de curiosidade e regozijo. Esticou os joelhos, lançando-se para cima, e ergueu o braço direito pedindo silêncio e atenção. A gritaria cessou rapidamente e todos encararam ansiosos o pequeno sujeito. Nos olhos da imensa platéia brilhava algo de raivoso que dizia que aquele mágico era o maior dos cornos, e dos picaretas também, se pensava que podia fazer com que calassem e ouvissem. Mas foi o que aconteceu. Tudo pairou no ar por um instante, Mister Fantástico piscou duas vezes e disse, de uma só vez e com a voz estranha por causa do gelo:

- Traz açúcar, limão e pinga.

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