quarta-feira, 18 de maio de 2011

Duplo carpado ao fundo das histórias

Desde pequeno tenho tentado compreender, quem sabe se com sucesso, o funcionamento das coisas. O modus operandi das explosões solares, da infinita órbita dos astros, das massas de ar que descem do céu e levantam saias, enchendo de calor a cidade no verão. Da crença que alguns têm em gnomos e graças.

Tenho tentado e falhado, alternada e simultaneamente. Minha compreensão do mundo se baseia na fé que cabe a meus sonhos, na devoção desconfiada com que o cientista se curva sobre a bancada, à espera de um Eureka. Alguns dizem que é impossível pensar na vida e vivê-la ao mesmo tempo. Mas e as histórias? Não são feitas da própria vida, projetando nela sua sombra imaginária?

A resposta, eu mesmo concluo, é sim. Com um livro de Joseph Campbell na mão, busco por um mito que ilustre meu argumento...

É um belo sábado de manhã. Os passos de Cupido no chão folhoso do bosque reverberam muito acima das árvores, para além da áurea verde e fresca do parque. Ele está fugindo; pretende enganar sua amiga, tornar a brincadeira de esconde-esconde um pouco mais divertida. Quer deixá-la perdidinha. Parada em outro ponto da mata, a cara enfiada em um tronco, Psiquê conta cinquenta mississipis e sai em busca do amante.

Enquanto isso, no lago a vinte metros dali, Narciso fita concentrado a superfície negra da água. Ao som da corneta ele salta, executa um parafuso duplo carpado e mergulha no lençol profundo sem voltar à tona, pontuando baixo com os juízes. 5.4, 5.2 e... espere aí, meu deus! – antes de erguer a placa o terceiro juiz salta da cadeira e agora está correndo pela mata no encalço de Psiquê, levando consigo um volume incomum nas calças. Eu diria que é um mau dia pra bancar o amante ausente, Harry! He, he, he...

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Neste ponto, a transmissão televisiva que eu tentava construir – uma apropriação de mitos - se transforma em uma história caótica, com elementos auto-imunes que desmancham o texto aos poucos... potencial despejado nos ralos largos da inépcia...

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