quarta-feira, 27 de julho de 2011

No quarto anônimo de hotel,
A sul de onde nunca estive,
Encontro-me comigo mesmo, e deixo as pantufas dentro da mala.

O ruído rouco do aparelho de ar,
O cheiro limpo dos lençóis,
As gavetas vazias do criado mudo – meu e de todos,
A pose cúmplice das paredes nuas,
A textura branca,
Tudo isso pinta na minha mente um quadro que conheço,
Mas não decifro.

E enquanto o mundo aqui dentro implode,
O quarto não me pergunta nada.

Aqui,
Sob os lençóis com quem aqui já tremeu
(de solidão ou de prazer)
Frente ao espelho com quem tentou contato consigo –
E quem sabe se ouviu resposta?
Só sei que não ouço, e grito.
Faço-o na cama, pra não espantar a esfinge.

(Na escuridão da noite anônima me perco, escondo o que posso,
Mas a mala fechada ainda tem trinco,
E trinco ainda está bem fechado.
Lá dentro as cuecas, tão minhas.

No silêncio escuto a voz dos que calam,
E faço do nada um poema sobre mim¹.)

Esta noite as perguntas são ânsias.
Obter respostas não requer paciência,
E sim um mantra que espante a morte.

Sim! Sim! Sim! Sim!

Na toada o oco do quarto me inunda o peito,
E eu enfim puxo a descarga.

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¹ sobreposto a "sobre mim": ruim

segunda-feira, 13 de junho de 2011

"Mario, acho que estou virando o Fernando Pessoa."
"E hoje em dia quem não está?"

quarta-feira, 18 de maio de 2011

Duplo carpado ao fundo das histórias

Desde pequeno tenho tentado compreender, quem sabe se com sucesso, o funcionamento das coisas. O modus operandi das explosões solares, da infinita órbita dos astros, das massas de ar que descem do céu e levantam saias, enchendo de calor a cidade no verão. Da crença que alguns têm em gnomos e graças.

Tenho tentado e falhado, alternada e simultaneamente. Minha compreensão do mundo se baseia na fé que cabe a meus sonhos, na devoção desconfiada com que o cientista se curva sobre a bancada, à espera de um Eureka. Alguns dizem que é impossível pensar na vida e vivê-la ao mesmo tempo. Mas e as histórias? Não são feitas da própria vida, projetando nela sua sombra imaginária?

A resposta, eu mesmo concluo, é sim. Com um livro de Joseph Campbell na mão, busco por um mito que ilustre meu argumento...

É um belo sábado de manhã. Os passos de Cupido no chão folhoso do bosque reverberam muito acima das árvores, para além da áurea verde e fresca do parque. Ele está fugindo; pretende enganar sua amiga, tornar a brincadeira de esconde-esconde um pouco mais divertida. Quer deixá-la perdidinha. Parada em outro ponto da mata, a cara enfiada em um tronco, Psiquê conta cinquenta mississipis e sai em busca do amante.

Enquanto isso, no lago a vinte metros dali, Narciso fita concentrado a superfície negra da água. Ao som da corneta ele salta, executa um parafuso duplo carpado e mergulha no lençol profundo sem voltar à tona, pontuando baixo com os juízes. 5.4, 5.2 e... espere aí, meu deus! – antes de erguer a placa o terceiro juiz salta da cadeira e agora está correndo pela mata no encalço de Psiquê, levando consigo um volume incomum nas calças. Eu diria que é um mau dia pra bancar o amante ausente, Harry! He, he, he...

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Neste ponto, a transmissão televisiva que eu tentava construir – uma apropriação de mitos - se transforma em uma história caótica, com elementos auto-imunes que desmancham o texto aos poucos... potencial despejado nos ralos largos da inépcia...

domingo, 27 de março de 2011

Nos meios midiáticos e expressivos de grupo, Cajendra Tapa Magar é melhor conhecido como O Menor Homem do Mundo; ele tem apenas 67cm de altura e pesa 5kg, e no momento busca o melhor modo de preencher o quadro da foto que Roger Texico está prestes a tirar. Enquanto, confuso, o norte-americano lança a mira da imprensa sobre o anão, procurando uma brecha angular miraculosa que favoreça sua arte, Cajendra acena com os dois braços como um pavão depenado.

“Eu posso pegar um banquinho”, arrisca o pequeno tentando corajosamente enfrentar o fracasso de sua manobra; e embora o sorriso embaraçado de Roger seja agora evidente, ele está sem graça demais para permitir que o anão resolva seu problema. Que é mais piada do que qualquer outra coisa. Faz que não com a cabeça e sente vontade de abraçar Cajendra, tão pequenino bebê desde que nasceu, em 1991. Se apenas tivesse ele freqüentado as aulas de fotografia infantil...

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Este garoto, minha gente, tem 19 anos. Vocês tão vendo o tamanho dele? Dá um close, Beto. Vem. Gente, ele tem o tamanho de um bebê do quê, três anos? Eu to impressionada! A gente tem que dar os parabéns e ficar mesmo admirada por uma espécie de vida assim... tão rara, seguir com esse sorrisão no rosto. Cajenda, você é conhecido lá no Nepal? - traduz aí pra ele. Ai que bom! Você vê que o pessoal reconhece boa gente em toda parte do mundo.

Agora, Cajenda, diz uma coisa pra mim. Só pra mim. Você é virgem?

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quinta-feira, 3 de março de 2011

Ergui a cabeça e vi pixado na parede:

"To escreveno purque agora sei que você tá leno"

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Quando o melhor livro de todos os tempos for publicado, a Terra finalmente verá seus trapos de frente. Sem espelhos, metáforas, álibis: de frente. O escritor boêmio abandonará o ofício sem mágoa nos olhos, com o orgulho intacto. Seus olhos para sempre deitados murchos nas órbitas, como se realizados. O poeta morrerá de amor e não escreverá uma palavra a respeito, talvez para compensar todos os versos afetados de todos os poetas de todos os tempos. O diretor sombrio de cinema-arte fará filmes com dez, doze, dezoito horas de duração, e cada um deles será um ritual íntimo, um assédio contínuo, uma celebração. Milhões de gênios dos quatro cantos do mundo despertarão, e o resultado será insignificante.

Quando o melhor livro de todos os tempos for publicado, o alto executivo vai ajustar a gravata irreversivelmente, e será um a menos entre nós. O vendedor ambulante vai ser inédito, seu olhar honesto e reto. Depois de vomitar e expelir sorrisos débeis, o viciado de Nova York vai morrer, e eu sinto muito. A modelo gaúcha vai desejar outra pele, outra cor, qualquer coisa que esconda melhor seus órgãos. Os fãs de Beatles vão esquecer Yesterday para sempre. Os de Quixote não terão mais dúvidas, não haverá hesitação - tampouco êxito, pois nem o livro vai remover de suas vidas a morte lúcida a que estão condenados.

Quando o melhor livro de todos os tempos for publicado, o juiz da alta corte perderá o emprego e, com ele, a influência. Vai jogar fora a dentadura. O paciente esquizofrênico poderá saltitar como Tigrão, esticar os braços como Jesus Cristo, abrir seu coração sem medo do que ali poderá encontrar. E ele vai conversar e conversar e conversar. Sim, vai

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6/3/2010

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Antes de sair, Rubem Jamin apara os pêlos sobressalentes das cavidades nasais que limpa manualmente toda noite às sete, afivela o cinto um buraco à frente do habitual, estufa o peito à circunferência de general aposentado, alisa a camisa demorada e inutilmente – não que esteja realmente amassada, e ele de pronto percebe como o gesto seria inócuo mesmo se estivesse. Mas quem pode com os caprichos?

Antes de sair, R. Jamin observa ansioso a lua através da janela no céu negro, moeda metálica cujo valor ele tentou estimar 14 vezes, sem sucesso, impermeável à escuridão que toda noite dá à luz e não sofre, prata celeste como a que ele vislumbra no brilho dos brincos e anéis de Julia Bardou Fez quando observa suas fotos com moldura Polaroid no site de relacionamentos Guess Who?. A moldura das imagens é inserida em fase de pós-produção - quanto a isso não há engano. Mas e o brilho das joias? Ou as curvas acidentais do seu nariz e as linhas das mãos - lidas semana passada, pela tela do computador, por uma velha negra cartomante que exalava perfumes de naftalina e éter, cujo serviço ele pagou em porções de arroz e cachaça? Jamin se preocupa, mas no fundo sabe que uma santa cinta-liga e uma mordaça de ébano bem apertadinha, bem quentinha, amarrada à sua boca, mais tarde esta noite, o fariam perdoar eventuais mentiras de Julia. O que deveria ele fazer para que também as suas fossem perdoadas?

domingo, 30 de janeiro de 2011

Glossolalia

Hey hobo
You hop on your hip stand
Your drinks come in two
Hand by hand

Hey bobo
You smile under the dancefloor strobe
As your heart goes by
round the globe

terça-feira, 18 de janeiro de 2011

en curso

um dia, porque assim o quis,
num ano que ainda não se imaginou
deus fritou os computadores¹.
todos, não deixou nenhum.
apagou, ao simples clique
do mouse divino
incontáveis gigabytes
de terabytes
de bytes, bytes
de informação.
e era toda a informação.

assim pôs em estado de choque, não de graça,
toda a humanidade.

a humanidade.

reduzida a nada,
testada na maior provação
que os mitos jamais conheceram²,
de norte a sul, leste a oeste,
cima a baixo,
nada.

quem mais sentiu foram os piratas
que mantinham no ar sua barca imensa
de bens que'aviam saqueado³,
deixada à mercê do sopro forte ^4
das interpéries da vontade divina

também o sentiram os poetas
não publicados - e nem por isso menores
cujas almas acabaram
perdidas pra sempre em blogs
nos anais extintos da informação -
ontem eternos
aos pobres corações inflados
deles todos, nós.

deram-se bem os marginais,
os postos-à-parte-de-tudo
os cabeça-oca, cabeça-feita,
care-free, mind-blowned
angel-headed once
mysteries flying
high above
the trouble cloud
at last vanished by ^5

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¹ fonte duvidosa.

² nem sequer sonharam.

³ em ataques invisíveis.

^4 ventania.

^5 verso incompleto.