quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Quando o melhor livro de todos os tempos for publicado, a Terra finalmente verá seus trapos de frente. Sem espelhos, metáforas, álibis: de frente. O escritor boêmio abandonará o ofício sem mágoa nos olhos, com o orgulho intacto. Seus olhos para sempre deitados murchos nas órbitas, como se realizados. O poeta morrerá de amor e não escreverá uma palavra a respeito, talvez para compensar todos os versos afetados de todos os poetas de todos os tempos. O diretor sombrio de cinema-arte fará filmes com dez, doze, dezoito horas de duração, e cada um deles será um ritual íntimo, um assédio contínuo, uma celebração. Milhões de gênios dos quatro cantos do mundo despertarão, e o resultado será insignificante.

Quando o melhor livro de todos os tempos for publicado, o alto executivo vai ajustar a gravata irreversivelmente, e será um a menos entre nós. O vendedor ambulante vai ser inédito, seu olhar honesto e reto. Depois de vomitar e expelir sorrisos débeis, o viciado de Nova York vai morrer, e eu sinto muito. A modelo gaúcha vai desejar outra pele, outra cor, qualquer coisa que esconda melhor seus órgãos. Os fãs de Beatles vão esquecer Yesterday para sempre. Os de Quixote não terão mais dúvidas, não haverá hesitação - tampouco êxito, pois nem o livro vai remover de suas vidas a morte lúcida a que estão condenados.

Quando o melhor livro de todos os tempos for publicado, o juiz da alta corte perderá o emprego e, com ele, a influência. Vai jogar fora a dentadura. O paciente esquizofrênico poderá saltitar como Tigrão, esticar os braços como Jesus Cristo, abrir seu coração sem medo do que ali poderá encontrar. E ele vai conversar e conversar e conversar. Sim, vai

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6/3/2010

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